sábado, 11 de setembro de 2010

O FILHO QUE NÃO PROSPEROU

O FILHO QUE NÃO PROSPEROU



Outro dia numa roda de amigos num gostoso bate-papo foi abordado o quanto era importante para cada um de nós: o olhar,o cheiro ,os conselhos e a presença dos insubstituíveis pais.

Num caloroso e contagiante momento contou um dos amigos a seguinte história que passarei para os meus caros leitores.

Contou o amigo que na sua cidade havia um bom senhor oriundo de classe social muito baixa .Apesar do seu analfabetismo, com a sua vasta cultura e o suor do seu próprio rosto conseguiu educar os seus mais de 10 filhos.

O tempo passou,os filhos cresceram,alguns galgaram postos importantes na sua nação e o bom senhor à proporção que ganhava conhecimentos foi envelhecendo.Envelhecendo com saúde,com dignidade, com cidadania,envelhecendo com o respeito de todos os que lhe rodeavam.Como é peculiar à família, aquela não fugira à regra e anos após anos procurava através de encontros familiares lembrar ao velho carvalho o seu incalculável valor ,a sua importância e o quanto era cabal a sua existência para a sua prole.De todos os seus filhos , um havia voado mais alto e galgado postos estratégicos na sua República. O tempo passava e de todos os filhos ,aquele nunca estava presente devido a sua importância perante a nação e muitas vezes nomeava irmãos e até mesmo amigos para lhe substituir nestes encontros familiares,jamais negara ajuda financeira quando solicitado e sempre influente nas questões decisórias da família.

O tempo passou.O ancião foi perdendo as forças,os músculos foram minguando,os cabelos ficaram ralos , a mente foi ficando curta, murchando e o bom homem foi paulatinamente perdendo a memória.Perguntava onde estava,muitas vezes perguntava até mesmo quem ele era.E a grande e tradicional família continuava nas suas comemorações, anos após anos; e anos após anos o filho era substituído por outro irmão ou por um dos seus amigos, até o dia em que foi convocado,até o dia em que foi intimado a comparecer ao 99o- aniversário do patriarca por todos os componentes daquela feliz e honesta família.

Ao chegar,entrou no quarto do seu genitor, se aproximou e disse :

__A bença pai. O velho imobilizado nada respondeu, Repetiu__mais alto:

__ A bença pai .A bença pai. O velho abriu os olhos, mexeu com o pescoço de um lado para o outro, fez esforço para levantar a cabeça ,mirou o rosto do seu filho e com a voz trêmula balbuciou:

__Quem é você?__ DE ONDE VOCÊ VEIO ?__ONDE VOCÊ MORA´?__ QUEM É O SEU PAI? O filho parou,pensou,baixou a cabeça e disse :

__ A BENÇA PAI, EU SOU O SEU FILHO, o seu filho do meio, é que faz mais de 20 anos que não vejo o senhor, faz mais de 20 anos que não venho na nossa terra. O pai mais uma vez falou:

__quem é você, de onde você veio, onde você mora, você é filho de quem, quem é o seu pai? Eu te abençou mas não sei quem é você, se você diz que é meu filho é porque é o meu filho porém eu não me lembro de você.

Desencantado pelo vasto tempo que havia visto o seu pai ,com a amnésia paterna e decepcionado com o que presenciara não conseguia entender o que se passava,quando mais tarde soube por intermédio dos outros irmãos, que o seu pai num processo fisiológico fora perdendo paulatinamente a capacidade de memorizar,de verbalizar e de locomoção,passando a lembrar apenas dos fatos repetitivos,dos rostos do seu cotidiano,do seu cachorro e das pessoas que de mais perto convivera nos últimos dias..

E numa onda de culpa e de irresponsabilidade entendeu que o pai devido a sua ausência , havia apagado da mente quaisquer resquícios ou lembranças de sua existencia, havia apagado de sua mente até mesmo a legitimidade paterna.Entendeu também que foi a sua ausência ,a sua distância e o seu descaso para com o velho e bondoso pai que apagara toda a sua existência como filho.

Desconfiado,deprimido e solitário partiu para a conquista,para luta,para briga,se esforçou, porém, o velho e bondoso senhor aos poucos foi apagando da mente os dados e imagens cerebrais ,aos poucos foi esquecendo ,esquecendo,esquecendo... até o dia em que não mais lembrava nem de si,até o dia em que entrou em vegetação.Com os fatos presenciados o filho passou a entender que o seu pai precisava era de abraços,de carinho, de respeito e de sua presença e não de ajuda financeira. Foi-se o velho,com ele foi sepultado todas as suas memórias e conhecimentos, restando as boas lembranças e os seus ensinamentos.

Para o filho ficou a certeza que foi 20 anos atrás o ultimo dia que o seu pai lhe viu, ficou gravado na sua memória que os seus filhos não eram netos do seu pai e mais claro ainda que o homem é a mente,o homem é a comunicação ,o homem é fruto de sua raiz. .E que o núcleo familiar jamais perderá a sua importância, jamais será substituída e por mais longe que o homem vá as suas raízes serão mais fortes. Seja pai dos seus pais.
24 de Janeiro de 1989 Iderval Reginaldo Tenório

Um comentário:

Elba Ramalho Serra disse...

Concordo plenamente. Tenho a gratíssima alegria de ter no momento meus pais comigo há mais ou menos três meses. Ficarão até final de outubro quando irão privar da companhia de um outro filho, residente em Recife. Ele já está chegando aos 96 (um tanto esquecido mantendo porém a conscência dos familiares mais próximos) e ela aos 86, graças a Deus!